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domingo, 17 de setembro de 2017

Teorizando a Crise Financeira.....Alain Touraine.....e outros.....

LIVRO APOS A CRISE: A DECOMPOSIÇAO DA VIDA SOCIAL E O SURGIMENTO DE ATORES NAO SOCIAIS


http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/8013/5855

TEORIZANDO A CRISE FINANCEIRA: ALAIN TOURAINE, BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS E DAVID HARVEY
LEONARDO DE ARAÚJO E MOTA é Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará/UFC, Professor do Departamento de Ciências Sociais e Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (DFCS/PPGDR) da Universidade Estadual da Paraíba/UEPB, Coordenador do Grupo “A Crise de 2008 e as Ciências Sociais: dilemas e oportunidades no capitalismo contemporâneo”, do Programa de Iniciação Científica da UEPB/CNPq, cota 2012-2013.

ÉRIKA VIEIRA DE OLIVEIRA é Graduanda em Licenciatura em Filosofia pela Universidade Estadual da Paraíba/UEPB, membro do Grupo “A Crise de 2008 e as Ciências Sociais: dilemas e oportunidades no capitalismo contemporâneo”, do Programa de Iniciação Científica da UEPB/CNPq, cota 2012-2013.
FLÁVIO JOSÉ SOUZA SILVA é Graduando de Serviço Social pela Universidade Estadual da Paraíba/UEPB, membro do Grupo “A Crise de 2008 e as Ciências Sociais: dilemas e oportunidades no capitalismo contemporâneo”, do Programa de Iniciação Científica da UEPB/CNPq, cota 2012-2013.

Resumo:A crise econômica de 2008 é um desdobramento da falência do banco de investimentos Lehman Brothers, que afetou vários outros bancos e empresas no mundo. Trata-se mais uma crise cíclica do capitalismo, com repercussões sociais e políticas que podem ser comparadas ao crack da bolsa de Nova Iorque em 1929. O trabalho a seguir analisa as consequências sociais dessa crise, através de três teóricos das ciências sociais: Alain Touraine, Boaventura de Sousa Santos e David Harvey. Palavras-Chave: Crise Financeira de 2008, Política, Economia, Teoria Social.

THEORIZING THE FINANCIAL CRISIS: ALAIN TOURAINE, BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS AND DAVID HARVEY
Abstract: The economic crisis of 2008 is an outgrowth of the bankruptcy of the investment bank Lehman Brothers, which affected several other banks and companies worldwide. It is another cyclical crisis of capitalism, with social and political consequences that can be compared to the crack of New York Stock Exchange in 1929. This paper examines the social consequences of this crisis, through three theoretical social thinkers: Alain Touraine, Boaventura de Sousa Santos and David Harvey. Keywords: Financial Crisis of 2008, Politics, Economics, Social Theory.
Introdução
15 de setembro de 2008. O tradicional banco de investimentos Lehman Brothers, fundado há 159 anos, entrou em concordata, o que provocou em “efeito dominó” a insolvência de várias outras instituições financeiras e empresas, gerando desemprego e recessão em nível mundial(1). Nos Estados Unidos, em 2007, o endividamento doméstico total, público e privado, já atingia a cifra de quase 48 trilhões de dólares (DOWBOR, 2008). Considerando que o PIB mundial na época estava em torno de 55 trilhões de dólares, não é exagero concluir que os americanos viviam em um mundo economicamente fantasioso. Em poucas palavras, ruiu o castelo de cartas da globalização financeira.
Na esteira de tais acontecimentos, o Estado foi convocado a socorrer o sistema financeiro. Dessa forma, instaurou-se o sistema de socialização das perdas. Socorrendo os bancos, o Estado perde a capacidade de sustentar seus sistemas de welfare, sendo obrigado a realizar cortes na educação, saúde e sistemas de previdência, entre outras medidas como demissões de funcionários públicos, congelamento de salários etc.
Alain Touraine: a decomposição da vida social
Segundo Alain Touraine, a globalização enfraqueceu os controles sociais e culturais estabelecidos pelos estados, pelas famílias e escolas. As fronteiras entre o normal e o patológico, o permitido e o proibido, perderam sua nitidez. Isso tudo ocorrendo em um espaço em que as pessoas veem os mesmos filmes, bebem as mesmas bebidas e usam marcas semelhantes. Neste sentido, “o estado, como agente central do crescimento e da justiça, é atacado de um lado pela internacionalização da economia, do outro pela fragmentação das identidades culturais”. (TOURAINE, 1998, p. 20)
   Em seu livro “Após a Crise: a decomposição da vida social e o surgimento de atores não sociais”, que surge a partir dos desdobramentos da Crise de 2008, Alain Touraine analisa os impactos da crise nos processos de transformação identitária, a partir da constatação da inexistência de um quadro histórico social perceptível nos dias atuais. A classe enquanto categoria de análise perde seu valor heurístico diante das recentes transformações tecnológicas e de seu impacto no mundo do trabalho, fazendo com que essa referência conceitual histórica não se coadune com a realidade atual.
Se não existe nem quadro histórico admitido, nem constituição de atores econômicos e sociais organizados e visíveis, e, enfim, se não existe capacidade de intervenção de uma autoridade central, o mais frequentemente política, que se esforça para resistir à dominação dos mais ricos e manter assim uma determinada compartilhada entre interesses opostos, não podemos mais falar de um modelo de sociedade. (TOURAINE, 2011, p.24)
    Assim, há um descontrole na constituição dos atuais atores sociais e econômicos na sociedade atual, tendo em vista a não existência de um controle central, tampouco um modelo de sociedade. O trunfo da economia liberal, por mais que tenha pendurado e gozado de relativos ganhos na década de 1970, findou por gerar o declínio da economia. Agora, contornar essa crise não se trata apenas de uma questão meramente econômica, mas sim de um problema político. Mas perceber os atuais mecanismos de dominação e as questões políticas subjacentes se tornou algo difícil de apreender, tendo em vista que:
O mundo dos dominados tornou-se tão diverso e tão fragmentado que ele desconhece a forma de engendrar um ator histórico, isto é, uma vontade de ação coletiva tendo um efeito sobre as orientações da sociedade. A mesma observação pode ser feita em relação aos dominadores. (Ibidem, p.25)
   A transformação social em curso modificou as relações sociais de classes entre os indivíduos, pois tornaram os dominados fragmentados e as lutas sociais se fragilizaram no processo de globalização da economia e da contínua exigência de aumento de produtividade. Dessa forma, “a gravidade do retrocesso dos sindicatos se mede pela distância existente, na Europa, entre os últimos países que ainda possuem sindicatos fortes e aqueles nos quais estes últimos perderam grande parte da sua influência” (Ibidem, p.41).
Os conflitos sociais atuais não se inscrevem unicamente em um sistema de produção, mas na oposição entre a globalização dos mercados e a defesa dos direitos humanos, e não apenas de direitos sociais, como analisavam os marxistas. “O que está em ruínas são os atores, os modos de dominação, os conflitos tradicionais e as intervenções do Estado no sentindo clássico do termo” (Ibidem, p.43). A decomposição do ser social, tendo em vista o novo quadro de especulação financeira, segundo este autor requer mudanças significativas no âmbito coletivo para evitar novos desastres. Touraine salienta:
Devem-se falar de substituição dos atores sociais por atores morais, é esperado que, na sociedade reconstruída, o poder dominante dos administradores das finanças seja limitado ao mesmo tempo que, o poder da iniciativa dos dirigentes industriais, bem como por aqueles que resistem à lógica desumana da economia globalizada e pelas intervenções de Estados sociais, a fim de recolocar nos trilhos a irracionalidade das manobras especulativa e o aumento das desigualdades sociais e o desemprego”. (Ibidem, p.45)
Quando ocorre a separação entre o mundo econômico e os atores sociais (instituições), ninguém é mais responsável por garantir o controle do mercado econômico global. Dessa forma, “pela primeira vez na história, o mundo da produção, dos bancos e das tecnologias é separado do mundo dos atores. Estes não podem mais, portanto, serem definidos por suas funções ou por seu status na vida econômica” (Ibidem, p.121). Quando essa separação do sistema e do ator materializa-se, os atores não podem mais ser considerados atores sociais, já que as instituições sociais, que deveriam garanti-lhes os direitos sociais não são mais capazes de fazê-lo, seja por indiferença ou inércia, como no caso dos sindicatos. O que percebemos é que se criaram abismos para que os atores fossem impedidos de acessar seus direitos sociais. Quando esse processo se torna abrangente, a sociedade conhecida nos moldes históricos se desfaz.
Dessa forma, Alain Touraine observa que: “a separação completa entre atores e o sistema é a definição mesma da situação pós-social. Ela destrói todos os vínculos que uniam a história econômica e a história social” (Ibidem, p. 123). Sobre os efeitos da crise financeira na sociedade, o autor conclui que a reação a esta conjuntura foi de total apatia tanto por parte de sindicatos, como dos intelectuais e da população de uma maneira geral, fato que afeta diretamente a organização social:
A situação de crise que no início do século XXI domina a economia mundial, e que em grande medida é devida ao desenvolvimento descontrolado do capitalismo financeiro, é bastante desfavorável ao desabrochar de um novo modelo de sociedade. [...] Neste contexto, a reconstrução social, que deve facilitar a primazia da ação de novos atores, é de fato bloqueada pela crise e pela diminuição massiva dos recursos. A crise em si mesma não facilita a modernização do campo político e social; é o inverso que é verdadeiro. (Ibidem, p.123-124)
Neste processo de transformações observa-se também o crescimento do setor de serviços, que rompe suas relações com as instituições sociais e políticas, impondo suas leis de mercado. Tal situação de crise trouxe saldos negativos para todas as relações sociais. Dessa forma, urge abandonar a ideia da sobreposição da economia sobre os direitos sociais. Agora, “os novos atores devem, portanto, guiar-se por uma consciência muito forte de seus direitos e daquilo que os ameaça [...] É um apelo à vida contra a morte, aos direitos contra os interesses, aos primeiros antes que suas implicações” (Ibidem, p. 131).
Essa nova sociedade pós-crise, em um momento de (re) construção se mostra instável e fragmentada, tendo rebatimentos em todos os setores da sociedade, descaracterizando as relações sociais, os direitos sociais e o próprio modelo de organização do trabalho em sociedade. O autor salienta a necessidade de fortalecer as organizações sociais, tendo em vista o protagonismo social desse novo ator na luta por seus direitos universais. A recente crise possui um sentido dual, que pode ser tanto um momento de transformação, como de permanência do projeto neoliberal. Assim, para que outro modelo de sociedade seja instituído seria necessário romper com o “silêncio das vítimas”.
Boaventura de Sousa Santos: crise e democracia
A tensão entre capitalismo e democracia não é fato recente. Em grande medida, a função do Estado em uma sociedade capitalista seria tentar equalizar as demandas de lucro que o sistema capitalista exige e as necessidades dos cidadãos. Grupos marginalizados lutam por inclusão social, enquanto as empresas disputam espaço dentro do mercado de bens e serviços. Essa dinâmica deve ser administrada pelo Estado através do contrato social, na medida em que ele “regula a tensão entre regulação social e emancipação, entre ordem e progresso” (SANTOS, 2007, p. 86). Neste sentido, não seria conveniente viver em uma sociedade onde as empresas fossem altamente competitivas e lucrativas, ao passo em que a sociedade fosse relegada à pobreza, ao subemprego e outras formas de marginalidade social. Porém, desde a década de 1980, várias conquistas sociais foram perdendo sua força diante da pressão cada vez mais intensa por produtividade e competitividade nos mercados globalizados, o que findou por criar uma democracia de baixa intensidade, cujo modelo se fundamenta em dois mercados que se entrecruzam. São eles:
O mercado econômico, em que se intercambiam valores com preço, e o mercado político, em que se intercambiam valores sem preço: ideias, políticas, ideologias. Vemos hoje que esses dois mercados se confundem cada vez mais, estamos entrando em um processo no qual somente tem valor o que tem preço, e portanto o mercado econômico e o mercado político se confundem. Com isso se naturaliza a corrupção, que é fundamental para essa democracia de baixa intensidade, porque naturaliza a distância dos cidadãos em relação à política – “todos são corruptos”, “os políticos são todos iguais” etc. -, o que é funcional ao sistema para manter os cidadãos afastados. (SANTOS, 2007, p. 90)
No que tange às consequências da Crise de 2008 para a democracia, Santos (2011) irá tratar desse tema em “Portugal: ensaio contra a autoflagelação”. Sobreviver ao colapso trazido pela crise de 2008 foi um problema para muitas famílias nos diversos países afetados, sobretudo nos Estados Unidos da América. Na Europa a crise espalhou-se através da crescente interdependência dos mercados globais. Milhares de indivíduos e famílias em países como Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha perderam seus empregos e sua estabilidade financeira e social. Dessa forma, Santos afirma que “não é difícil prever que vamos assistir a três fenômenos próprios deste processo de crise: o aumento de desemprego, o aumento do número de horas de trabalho dos que estão empregados e a erosão do trabalho com direitos” (2011, p.63).
Portugal foi um dos países mais afetados pela crise e, através de uma política de renegociação da dívida, sua reestruturação vem enfrentando o que a ideologia do neoliberalismo criou: um país endividado e descrente politicamente, financeiramente e socialmente. Para Santos, uma democracia de alta intensidade (participativa) é o caminho que os países afetados terão que perseguir para (re) construir uma sociedade civil organizada, contando até mesmo com a contribuição dos cidadãos despolitizados. O que está em questão não é o governo de um partido político de “esquerda” ou “direita”, e sim o ideal de democracia que se deseja atingir, pois “o curto prazo é de desastre, e os custos sociais das medidas de austeridade recessiva vão ser de um teste muito exigente à solidez das nossas instituições democráticas” (Ibidem, p.78).
O desdém do mercado em relação ao Estado foi acirrado diante da crise. Mas no momento em que ninguém detinha mais o poder econômico, o Estado interveio com as políticas de socorro ao sistema bancário, o que resultou em cortes sistemáticos nas políticas públicas e elevação dos impostos para cobrir os custos da ajuda aos bancos. Sindicatos e outras organizações da sociedade civil devem propor medidas para por fim à financeirização da Europa e abrir os caminhos de criação de bem-estar e de solidariedade, baseados em novos princípios que privilegiem o emprego e a ecologia, em detrimento do lucro a qualquer preço e da destruição da natureza. A solução não está somente no fato de um partido de esquerda ascender ao poder, mas que este partido realmente seja capaz de implementar um programa de esquerda na condução da máquina estatal.
O ativismo político, engajado com os movimentos e organizações sociais devem lutar por uma democracia participativa, que seja capaz de reverter a lógica da democracia formal sequestrada pelo capitalismo neoliberal. Uma boa discussão, mesmo que utópica, já é um caminho na busca pela autoafirmação da sociedade diante das fatalidades que envolvem o sistema atual. Tal contexto não pode se limitar a um movimento social ou a um ponto unilateral, mas deve amparar-se na defesa de diversas demandas como melhores condições de trabalho, denúncia de discriminações étnicas ou sexuais, defesa do meio ambiente etc. Ou seja, faz-se necessário construir diversas propostas por intermédio de um “mosaico de esquerdas”.
A democratização da democracia é fundamental para reverter o sequestro da política pelo neoliberalismo e sua lógica meramente mercantil das relações sociais, como a descolonização também é essencial na luta contra as discriminações sofridas pelas colônias e a desmercadorização da vida humana e do meio ambiente são também fundamentais para o futuro da humanidade, uma vez que o atual sistema consome todo o esforço de trabalho humano, os recursos naturais e também os valores morais de cooperação, para servir ao atual capitalismo financeirizado com suas dívidas impagáveis. Em poucas palavras, adverte o autor: “se não civilizarmos a economia, teremos de mudar de civilização” (Ibidem, p. 152).
David Harvey: o enigma do capital
Em A condição pós-moderna, David Harvey (2000) irá descrever uma profunda mudança no capitalismo, que começa a partir de meados dos anos 1960 e aprofunda-se na década de 1970. Trata-se da transição do Fordismo para o regime de acumulação flexível. Se a fábrica fordista era um lugar caracterizado pela produção em massa, empregos estáveis e forte influência dos sindicatos, a era do capitalismo flexível irá caracterizar-se pelo trabalho em equipes polivalentes, empregos instáveis e desenvolvimento do setor de serviços, além do enfraquecimento da influência dos sindicatos. Surge um tipo de capitalismo altamente veloz e amparado no sentido de que tudo deve ser usado e descartado rapidamente (a sociedade do “descarte”), um novo paradigma que finda por modificar drasticamente a economia e as relações sociais.
A partir dos desdobramentos da Crise de 2008, no livro O enigma do capital, David Harvey (2011) realiza uma análise sobre o movimento do capital na sociedade contemporânea. A cada nova crise do capital torna-se evidente a irracionalidade do sistema. A crise do capital nunca é resolvida, pois ela não transparece de forma real, procura ser contornada. As dívidas do Estado crescem, buscam-se medidas drásticas como o corte dos serviços públicos, resultando em uma ameaça para o bem estar da população, para reduzir a dívida contraída para “socorrer” o sistema financeiro. Após o crack de 2008, um terço do equipamento de capital dos Estados Unidos esteve parado, 17% dos trabalhadores estavam desempregados ou forçados a trabalhar meio período, como 15 milhões de indonésios perderam seus empregos.
Verificaram-se pequenos aumentos de trabalho em países de baixa renda. Países fornecedores de matérias-primas como Austrália e Chile passaram pela crise sem sofrerem grandes consequências. Ocorreram também ajustes nos padrões de comércio, havendo um aumento de intercâmbios comerciais entre a China, o Brasil e Argentina desde 2000. As incertezas quanto aos resultados se intensificam em períodos de crise, podendo ela ser considerada como um momento de paradoxos, enquanto busca-se alternativas de todo tipo, incluindo socialistas e anticapitalistas para resolverem os momentos críticos da economia.
O maior índice de desemprego e perdas de empregos se concentra nos Estados Unidos, ao passo que a desigualdade se amplia na Europa. Existem também empregados frustrados com empregos temporários e insatisfatórios que não são incluídos à taxa de desempregados, enquanto os tubarões financeiros recebem seus bônus milionários, passando a comprar coletivamente instituições financeiras para cercar Wall Street e a City de Londres.
O assalto ao bem-estar social das massas deriva do incessante impulso de preservar e valorizar a riqueza dos que já são ricos. A desigualdade de renda subiu nos Estados Unidos, desde os anos 1970, ao ponto dos 90% mais baixos na pirâmide  socioeconômica  deterem agora apenas 29% da riqueza, deixando 10% das pessoas controlarem o resto, sendo que 1% do topo tem 34% da riqueza e 24% da renda. É como se os capitalistas estivessem coletivamente envolvidos em uma corrida com obstáculos, pulando um obstáculo após o outro, com tamanha graça e facilidade que criam a ilusão de que estamos sempre na terra prometida da acumulação do capital sem fim.
               Em relação aos movimentos sociais, é pouco provável que um movimento global anticapitalista surja sem uma visão inspiradora sobre o que deverá ser feito. Existe um duplo bloqueio: a falta de uma visão alternativa impede a formação de um movimento de oposição forte, assim como a ausência de tal movimento opõe-se à articulação de uma alternativa. Como observa Harvey:
Uma tem de reforçar a outra, para que algo possa ser feito. Caso contrário, a potencial oposição será trancada para sempre em um círculo fechado que frustram as perspectivas de mudança construtiva, deixando-nos vulneráveis a futuras crises perpétuas do capitalismo, com resultados cada vez mais mortais. (2011, p.184)
O capitalista tem o poder de usar o dinheiro para comandar o trabalho ou os bens dos outros, usando esse comando para gerar lucros, acumular capital, aumentando seu comando sobre a riqueza e o poder. O igualitarismo, a liberdade individual e a autonomia, medidas pelos arranjos institucionais da propriedade privada e do mercado, ocorrem apenas na teoria, pois na prática os resultados são as enormes desigualdades.
O sistema de crédito tornou-se a grande alavanca moderna para extração de riqueza pelo capital financeiro do resto da população, utilizando todo tipo de prática predatória como taxas de juros abusivas nos cartões de créditos e execuções hipotecárias, podendo ser usadas para beneficiar os que já são ricos e poderosos. A lógica da acumulação do capital sem fim e do crescimento sem fim está sempre estará conosco, mas a explosão de curto prazo do crescimento capitalista em economias emergentes pode ajudar a reequilibrar a distribuição global da riqueza e do poder, produzindo uma base mais saudável e mais igualitária para realização de uma economia global mais racionalmente organizada.
                A neoliberação e corporatização das universidades e dos meios de comunicação também têm desempenhado um papel relevante na produção da atual crise. O confinamento do radicalismo dentro dos limites do multiculturalismo cria uma situação lamentável na academia e fora dela. Além disso, “a ideia de que a crise tem origens sistêmicas é pouco debatida na grande mídia” (Ibidem, p. 177, grifo nosso). Os descontentes e alienados são constituídos por todos aqueles que, por qualquer razão, veem o atual caminho de desenvolvimento capitalista como uma via que leva a uma rua sem saída, senão uma catástrofe para a humanidade. Dessa forma, Harvey postula que os alienados e descontentes devem juntar-se àqueles cujas condições de trabalho e vida são mais imediatamente afetadas por sua inserção na circulação e acumulação de capital, trabalhando em conjunto contra a perversa lógica do capitalismo financeiro.
Considerações Finais
Os desdobramentos da crise de 2008 findaram em vários movimentos de protesto no mundo, sobretudo no ano de 2011. Na Europa, as medidas de austeridade materializaram a face mais dura do modelo de acumulação capitalista baseado em operações financeiras duvidosas, aliadas a esquemas políticos em um Estado cada vez mais refém da ideologia competitiva da globalização neoliberal. Existe atualmente um significativo déficit de confiança, tanto nas instituições financeiras, quanto em relação aos partidos políticos e ao Estado, isto sem considerar a despolitização em massa, manobrada, sobretudo, pelos anseios da sociedade de consumo. Todavia, nunca é tarde para lembrar que as crises sempre cumprem uma dupla função de, ao mesmo tempo em que disseminam o sofrimento, também abrem portas para iniciativas originais que produzem novos modos de vida e de organização social.

NOTAS:
(1) Segundo dados da Organização Mundial do Trabalho, a crise financeira de 2008 elevou o número de desempregados de cerca de 20 milhões para 50 milhões ao final de 2009 (BRESSER-PEREIRA, 2010).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A crise financeira global e depois: um novo capitalismo? Novos Estudos, CEBRAP, 86, março 2010, pp. 51-72. 
DOWBOR, Ladislau. A crise financeira sem mistérios: convergência dos dramas econômicos, sociais e ambientais. Economia Global e Gestão, v.13, n.3 Lisboa dez. 2008, pp. 09-38.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 9 ed. São Paulo: Loyola, 2000.
________. O Enigma do Capital: e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São Paulo: Boitempo, 2007.
_________. Portugal: ensaio contra a autoflagelação. São Paulo: Cortez, 2011.
TOURAINE, Alain. Podemos viver juntos? : Iguais e diferentes. Petrópolis, RJ : Vozes, 1998.
_________. Após a Crise: a decomposição da vida social e o surgimento de atores não sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
Recebido em: 23/01/2013
Aceito em: 27/09/2013

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