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sábado, 9 de março de 2019

“O SOFRIMENTO É OPCIONAL....



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“O SOFRIMENTO É OPCIONAL”: UMA ANÁLISE DO USO DO CONCEITO DE  
RESILIÊNCIA NO TRABALHO NA MÍDIA PARA O GRANDE PÚBLICO  
Carlos Manoel Lopes Rodrigues, Claudia Regina Corrêa 



https://www.researchgate.net/publication/308521975_O_sofrimento_e_opcional_uma_analise_do_uso_do_conceito_de_resiliencia_no_trabalho_na_midia_para_o_grande_publico


Introdução   
O mundo do trabalho vem se modificando radicalmente nas últimas décadas na esteira de   
uma série de inovações tecnológicas e de práticas de gestão que levam os princípios da   
racionalização, da eficiência e da lucratividade ao extremo, criando um cenário marcado   
pela pressão, instabilidade e competividade, que afeta diretamente os trabalhadores em   
suas práticas laborais e suas vidas.   
Este conjunto de práticas, técnicas e tecnologias busca, em última análise intensificar a   
exploração do trabalho humano em dimensões que o modelo fordista-taylorista não se aventurava, pois se centrava nas atividades per si, ao contrário da tendência   
contemporânea de atingir as dimensões potencialmente geradoras de valor, isto é “a   
exploração, de fato, foi reforçada pelo emprego de capacidades humanas (relacionamento,   
disponibilidade, flexibilidade, envolvimento afetivo, engajamento etc.)” (BOLTANSKI;   
CHIAPELLO, 2009, p. 277).   
Entretanto, apenas o emprego de novos modelos de gestão não garante o acesso as   
capacidades humanas desejadas, principalmente àquelas que podemos colocar na   
dimensão da subjetividade, necessitando, portanto de outras formas de aliciamento ou   
mesmo cooptação dos trabalhadores, que atuem do ponto de vista simbólico, nos termos   
de Alves (2011), que realize a “captura da subjetividade”, destacando-se neste intento o   
uso de práticas discursivas que incutam, naturalizem e legitimem a ideologia que baseia   
estes modelos, por um lado, e leve os trabalhadores a se engajarem no desenvolvimento   
das capacidades que estes modelos exigem, por outro.   
Assim os veículos de comunicação destinados ao grande público assumem papel especial  nesta estratégia de mobilização dos trabalhadores no desenvolvimento das capacidades  desejáveis pelos modelos de gestão contemporâneos, assumindo-os como próprios -  “como efeitos corporificados da sociedade do trabalho (...) exigidos/as em seus atributos  de equilibristas para fazerem frente aos desafios desestruturantes da nova ordem do  trabalho” (FONSECA, 2002, p. 24), principalmente os atributos que os tornem resistentes a esta ambiente adverso que se configura no mundo do trabalho. E neste intento a  apropriação de conceitos científicos, por parte da mídia em geral, serve de recurso de  legitimação, como por exemplo, o conceito de resiliência no trabalho que tem surgido com  certa frequência nos meios de comunicação, como uma capacidade necessária e desejável  os trabalhadores.   


Com objetivo de contribuir no entendimento deste cenário, este artigo apresenta a pesquisa exploratória-descritiva, onde se analisou como o conceito de resiliência no  trabalho foi utilizado em 15 reportagens publicadas no período de 2010 a 2014 em  revistas nacionais destinados ao grande público; optou-se pelo formato digital destas  revistas, tendo em vista o incremento do acesso à internet nos últimos anos no Brasil – em 2013 estimava-se um total de 80,9 milhões de usuários brasileiros de internet, sendo  que 84% a utilizam para busca de informações (CENTRO DE ESTUDO SOBRE AS   


TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO, 2013).  Segue-se a esta introdução uma breve problematização sobre o uso de conceitos  científicos no discurso midiático e uma pequena exposição sobre o conceito de resiliência  no trabalho; posteriormente apresenta-se a metodologia de pesquisa adotada, bem como os resultados e sua discussão; e por último as considerações com foco nas limitações e possibilidades de continuidade de estudos.   

Mídia e Conceitos Científicos   
É inegável a influência e alcance dos meios de comunicação na sociedade contemporânea,  influência e alcance estes potencializados, em grande parte, pelo desenvolvimento das   


Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), mas também pelas “enormes  capacidades de representação das pessoas, da sociedade e da cultura; de produção e  reprodução, de construção e reconstrução dos processos sociais e culturais” (SOUSA,  2006, p. 539), em outras palavras, por portar e construir sentidos socialmente partilhados materializados em práticas discursivas que, como salienta van Dijk (2008) vinculam-se a interesses de grupos e seus membros, constituindo práticas de poder.   
Neste sentido, o discurso midiático, diferentemente de outros discursos, não limita-se a   
um único domínio de saber ou experiência, recorrendo e se apropriando do discurso de  saberes distintos que possam legitimar de alguma forma seu próprio discurso, sem no   
entanto, se limitar, ou mesmo se preocupar, com a exatidão do sentido dado durante ou   
depois da apropriação:   
“A apropriação e a nova tradução por parte do discurso midiático de alguns   
aspectos dos saberes de outras áreas, especificamente da ciência, tendem a dar   
naturalidade às pretensões legítimas construídas historicamente pelos atores   
autorizados desses saberes. A mídia "dilui" o poder do discurso técnico-  
científico, ela se ancora na ciência como uma instância cultural significativa, com   
uma abrangência totalizante.” (SERRA; SANTOS, 2003, p. 696)   

Especificamente quanto à apropriação de conceitos científicos pela mídia, parece ocorrer   
em grande parte por um ideal de objetividade e poder explicativo da ciência, já que  “cultivamos, ao longo da modernidade, a crença de que a verdade da ciência não comporta  versões, dado ser a ciência justamente o método mais perfeito desenvolvido pelo homem  para a apreensão da verdade” (TEIXEIRA, 2002, p. 134), afastando assim do público a  dúvida e a crítica, pois o discurso se torna pretensamente neutro, “testado e aprovado”.   
Entretanto, retomando a posição de van Dijk (2008, p.18), este discurso, como todos os   
outros, pode estar sob controle, e nele incluídos os “conhecimentos, opiniões, atitudes,   
ideologias, como também às outras representações pessoais ou sociais” dos que o   
operaram, possibilitando sua utilização como ferramenta de poder.   
Desta forma, o uso de conceitos científicos na grande mídia, surge como estratégia de   
legitimação do discurso midiático, por vezes, aumentando a possibilidade de exercício de   
poder por meio deste discurso, seja pela indução de padrões de comportamento, como o   
encontrado por Serra e Sousa (2003), onde padrões de beleza específicos e práticas   
alimentares eram veiculados em uma publicação para adolescentes, com suposto aval   
cientifico; seja pela justificação de uma situação social específica, por exemplo, naturalização de situações adversas e do sofrimento no trabalho como inerentes ao  mundo do trabalho e à experiência humana, como no estudo de Flach et al. (2009) sobre  a representação do sofrimento no trabalho em um revista de negócios.   


Neste sentido, o discurso midiático relativo ao mundo do trabalho, fortalecido pela   
apropriação de conceitos científicos e inserido em uma lógica de dominação se inscreve   
em um conjunto mais amplo de práticas de controle social, com foco na legitimação da   
competividade e em estratégias de culpabilização (GUARESCHI, 2013), e de flexibilização  do discurso (BERNARDO, 2009).   


Resiliência no Trabalho   

O conceito de resiliência é originário do estudo das propriedades mecânicas dos materiais   
em física e engenharia, podendo ser conceituado como a capacidade de certos materiais   
absorverem energia elástica sob tração e devolvê-la quando após a cessão da tração   
(OHRING, 1995). O sentido deste conceito, com o tempo e por analogia, foi sendo   
apropriado por outros campos do saber para se referir a fenômenos diversos que   
mantinham alguma semelhança com o comportamento destes materiais, incluindo as   
noções próprias de cada campo, como por exemplo o acréscimo da noção de adaptação no  campo da biologia (SORDI; MANFRO; HAUCK, 2011).   
No campo da psicologia o conceito de resiliência pode ter as raízes observadas já nas   
teorias clássicas da psicanálise e da psicologia do desenvolvimento, mesmo que não   
explicitamente nomeado como tal (SORDI; MANFRO; HAUCK, 2011). Paulatinamente, o   
conceito de resiliência ocupou o espaço dos conceitos de invencibilidade e   
invulnerabilidade, inicialmente utilizados nas pesquisas sobre o desenvolvimento da   
criança, e logo em seguida do adolescente, em condições desfavoráveis buscando   
identificar os traços de personalidade ou características individuais que constituiriam os   
sujeitos resilientes (YUNES, 2003).   
À esta tendência de identificação de componentes constituintes da resiliência, de   
inspiração psicométrica, foi-se somando uma tendência de cunho mais interacionista   
focada na identificação dos fatores de risco e de proteção (SOUZA; CERVENY, 2006;   
YUNES, 2003; ANGST, 2009). Nesta perspectiva a resiliência é vista como “uma inter 
relação complexa entre certas características dos indivíduos e do meio ambiente que os   
cerca. Resiliência consiste de um balanço entre tensão (isto é, fatores de risco) e   
habilidade de lutar (isto é, fatores de proteção)” (JOB, 2003, p. 35).   
Ressalta-se que os fatores de risco e de proteção podem ser tanto internos quanto   
externos ao indivíduo, como por exemplo a ausência de uma rede de apoio social pode ser  um fator de risco externo para um indivíduo, enquanto a sua presença é um fator protetor,  raciocínio equivalente vale para os fatores internos como a autoestima. Estes fatores interagem de forma dinâmica “de modo que a condição resiliente pressupõe equilíbrio  entre esses fatores” (RIBEIRO et al., 2011, p. 628).   
Shaikh e Kauppi (2010) ao analisarem a “miríade de conceptualizações e interpretações”   
da resiliência, observam que as várias definições de resiliência não são mutualmente   
excludentes, apresentando sobreposições que podem dificultar um consenso na área,   
estes autores optam pela definição unificadora proposta por Ungar (2008) que busca   
abarcar o contexto integral e transcultural do fenômeno em questão:  “No contexto de exposição à adversidade significativa, seja psicológica,  ambiental, ou ambas, a resiliência é tanto a capacidade dos indivíduos para  utilizarem a sua maneira os recursos de manutenção da saúde, incluindo a  oportunidade para experimentar a sensação de bem-estar, bem como uma  situação para a família, a comunidade e a cultura do indivíduo de fornecer esses  recursos de saúde e experiências em formas culturalmente significativas.”   
(UNGAR, 2008, p. 225, tradução nossa)   
Analisando a produção científica brasileira de 2000 a 2006, Oliveira et al. (2008)   
observaram um crescimento do interesse no número de pesquisas sobre o tema, mas   
ainda mantendo uma diversidade conceitual considerável quanto a uma definição de  resiliência:   
“Em relação à conceituação do termo resiliência, grande parte dos estudos   
mostrou que esse termo está relacionado à construção positiva no  enfrentamento das adversidades, na capacidade de lidar de maneira positiva  buscando a superação, na recuperação através do uso de recursos adaptativos,  na noção de sobrevivência e na capacidade potencial para o desenvolvimento da  resiliência em maior ou menor grau, fatores que podem tornar um indivíduo  mais ou menos vulnerável ao risco e, além disso, na forma como alguns  indivíduos conseguem ser resilientes frente às adversidades.” (OLIVEIRA et al., 2008, p. 761) 

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