Outra possibilidade é que as premissas de Descartes impliquem a existência de Deus porque uma contradição deriva da conjunção destas premissas com a suposição de que Deus não existe. Agora, a única tentativa de demonstrar tal contradição (de que tenho conhecimento) vem de Santo Anselmo, e esta tentativa merece alguns comentários. Em poucas palavras, Anselmo pensa que a inexistência de Deus implica que Deus não seja um ser perfeito, o que contradiz P1. Esta conclusão deriva da seguinte linha de raciocínio. De P2 nós sabemos que existir é melhor do que não existir. Portanto se Deus não existe, então segue-se que ele poderia ser melhor. Mas se ele poderia ser melhor, então ele não deve ser perfeito. Portanto se Deus não existe, então ele não deve ser perfeito.
Contudo, a inexistência de Deus não implica que Deus não seja um ser perfeito. Antes de mais nada, a suposição de que Deus não existe é uma alegação ontológica — de que não há nada que instancie o conceito de Deus. A fim de que tenhamos uma contradição genuína com P1, esta suposição deve implicar a afirmação conceitual de que Deus não é um ser perfeito; mas ela não implica tal coisa. Pois mesmo se existir realmente fosse melhor do que não existir, tudo o que poderia de fato seguir-se da inexistência de Deus é que o status ontológico de Deus poderia ser melhor – não que Deus poderia ser melhor definido e por essa razão não é um ser perfeito. Na verdade, a verdade conceitual de que Deus é um ser perfeito é perfeitamente consistente com sua inexistência; pois o que Deus é conceitualmente (isto é, por definição, que permanece a mesma em todos os mundos possíveis) não é afetado pelo fato de não haver nenhum Deus. Assim, a tentativa anselmiana de demonstrar que uma contradição resulta da conjunção das premissas de Descartes com a suposição da inexistência de Deus não funciona.
Dadas as considerações acima, o argumento de Descartes parece ser inválido. Presumindo que seu conceito de Deus é coerente, é um conceito provavelmente similar ao de um unicórnio real: ele apenas especifica o que está incluído numa instanciação do conceito. Ele não implica, ou de qualquer maneira sugere, que exista tal instanciação. Se tal instanciação existe ou não é uma questão completamente independente[8].
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