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sábado, 12 de julho de 2014

A relação entre sujeito e objeto na filosofia. - Por Michel Aires de Souza


Nova publicação em Filosofonet

A relação entre sujeito e objeto na filosofia.

by Professor
Por Michel Aires de Souza                              
downloadTemos a forte impressão que o real existe fora de nós, que o mundo é tal como o vemos, mas na verdade a realidade não existe como algo externo ao indivíduo, ela é um dado interno. Não sabemos como o mundo é na verdade.   Nossa percepção não percebe o mundo como ele é em si mesmo.  Nós só conseguimos perceber um mundo coerente e coeso porque os estímulos do mundo externo são transformados por nossos sentidos.  Desse modo transformamos vibrações em sons, reações químicas em cheiros, fótons em imagens, ondas eletromagnéticas em cores. O mundo em si não tem cheiro, cor, sabor, sons ou uma forma definida.  Não podemos dizer que o céu é azul, uma vez chamamos de azul certas ondas eletromagnéticas que, ao serem captadas pelos olhos, são transmitidas pelos nervos ópticos causando a impressão de azul em nosso cérebro.  O aparelho visual humano percebem radiações eletromagnéticas dentro de um espectro de comprimento de onda que vai de aproximadamente 380 nanômetros até 780 nanômetros. Mas é necessário que essas ondas sejam captadas por nossa retina e sejam transformadas por nosso cérebro em um estímulo mental que chamamos cor.    Da mesma forma sentimos o doce, amargo, azedo, ácido por causa das papilas gustativas, que são receptores do paladar da língua, produzindo a partir das propriedades químicas do objeto um estímulo mental que chamamos sabor.  Não podemos dizer também que o mundo que nos cerca produz sons. O que existe são ondas que se propagam no ar. Para que essas ondas sejam transformadas em sons é necessário que tenham sido  captadas por nossos ouvidos e sejam transformadas em um estímulo mental que denominamos som.  Hoje já podemos responder uma velha pergunta filosófica: há som quando uma árvore desaba numa floresta, se não tiver alguém para ouvir?  É claro que não, uma vez que a queda da árvore produz ondas no ar, mas essas ondas só produzem sons se forem captadas por um ser vivo que possa transformá-las em estímulos sonoros.
            Essas questões sobre a percepção do real nos remetem a um velho problema da filosofia: a relação entre sujeito e objeto.  Há três vertentes que procuram esclarecer essa relação: o realismo, o idealismo e o criticismo kantiano. Em cada uma delas há um modo peculiar de compreender a realidade.
          A primeira vertente, o realismo, se refere ao primado do objeto.  O ponto de partida para o conhecimento são as coisas tal como elas se encontram no mundo.  A representação que fazemos do real depende dos objetos.  O conhecimento se estabelece como adequação. Os nossos conceitos e ideias se adéquam as coisas. Dessa forma, o mundo é tal como o vemos e percebemos. “A palavra latina que designa coisas é res. Esta resposta primordial, e até diria primitiva, natural, leva na história da metafísica o nome de realismo, da palavra latina res. À pergunta: quem existe? Responde o homem naturalmente: existem as coisas – res – e esta resposta é o fundo essencial do realismo metafísico” (Morente, 1980, p.68). Para o realismo o mundo possui uma inteligibilidade que pode ser compreendida pela razão. A partir da reflexão podemos formar conceitos ou noções das coisas, procurando conhecer suas estruturas. Assim o conhecimento reflete na mente a realidade.  Essa é uma posição ingênua,  uma vez que acreditamos naquilo que percebemos por nossos sentidos. Acreditamos na percepção humana como uma instância capaz de captar as estruturas da realidade, como elas são em si mesmas. É como se os nossos sentidos fossem o espelho do mundo. Percebemos um mundo acabado, pronto, estável com uma estrutura deteminada que pode ser compreendida pela razão. Toda filosofia até o século XVI foi realista, uma vez que todo conhecimento tinha como postulado a existência das coisas.  Do mesmo modo o senso comum é realista, pois acredita na existência das coisas como elas são em si. Muitos séculos demorou a humanidade a mudar o modo de pensar. Foi somente no mundo moderno que a filosofia começou a estudar os modos ou as estruturas subjetivas do conhecimento. Foi a partir daí que surgiu um novo modo de conhecer e pensar a realidade
         A segunda vertente surge no mundo moderno: o idealismo. Ao contrário do realismo, o idealismo se refere ao primado do sujeito. O sujeito surge como um átomo, como um ser fixo e acabado que contém em si certas estruturas e certas ideias claras e distintas.  A partir dessas estruturas e ideias podemos conhecer o real.  O real nesse sentido é determinado pelas estruturas que subjaz no indivíduo.  O real somente se constitui a partir do eu.  Ao contrário do realismo, “o idealismo considerará, preferentemente, o conhecimento como uma atividade que vai do sujeito às coisas, como uma atividade elaboradora de conceitos, ao final de cuja elaboração surge a realidade das coisas” (Morente, 1980, p.68).  Nesse sentido o conhecimento não é mais determinado pelo objeto, mas pelo sujeito. A capacidade de conhecer depende da subjetividade do indivíduo, do eu penso. O maior representante do idealismo foi  o filósofo francês René Descartes (1596-1650).  Foi ele que tornou a subjetividade  o fundamento do sujeito do conhecimento.  Em seu livro “Discurso do método”, ao duvidar de toda a realidade e de todo saber produzido sobre ela,  seu ponto de partida era a busca de um axioma que pudesse servir de fundamento a todo conhecimento, uma  verdade primeira indubitável.  A partir da dúvida  Descartes chega a uma verdade certa e segura,o eu penso:  “cogito ergo sum”. Se duvido, eu penso; se penso, eu existo. O eu cartesiano é puro pensamento (res cogitans). O pensamento é o lugar da verdade, é o puro intelecto, pois é por meio dele que adquirimos as idéias claras e distintas. É esse puro intelecto que se torna o núcleo do conhecimento. Em seu ponto de vista, o ser humano já nasce com certos conhecimentos universais e necessários capazes de conhecer a realidade. Por exemplo, sabemos que todo triângulo têm três lados ou que duas paralelas são equidistante intuitivamente, não precisamos demonstrar empiricamente essas verdades, uma vez que elas são inatas.  Sem esses conhecimentos ou princípios apriori seria impossível conhecer a realidade.
        A terceira vertente, o criticismo kantiano, vai buscar um meio termo entre o realismo e o idealismo.  Chama-se criticismo porque o filósofo alemão Emmanuel Kant faz uma crítica da razão pura, traçando os limites daquilo que podemos conhecer. Em sua opinião, o conhecimento se dá como uma relação entre o sujeito e o objeto, entre um ser cognoscente e um objeto cognoscível.  O conhecimento é uma síntese entre o objetivo e o subjetivo.  Para Kant todo nosso conhecimento começa na experiência, mas nem todo ele provém da experiência.  O real não é algo externo ao indivíduo, mas este o produz no interior de si mesmo. Somos nós que através de certas faculdades apriori (estabelecidos independentes da experiência) organizamos e damos sentido e coerência ao real.  A razão seria  essa capacidade que o ser humano tem, partindo de princípios apriori, representar e conhecer o mundo.  Desse modo, o conhecimento só lida com fenômenos. O mundo aparece como representação para o sujeito que o conhece.
            Conhecer é o ato pelo qual o pensamento apreende o objeto ou o torna presente, esforçando-se para formar uma representação que exprime perfeitamente este objeto. Na teoria kantiana para conhecer é preciso se distinguir a matéria, isto é, o objeto, e a forma, isto é, a maneira pela qual conhecemos o objeto. A matéria é aquilo que no fenômeno corresponde à sensação. Já a forma do fenômeno é aquilo que faz com que a diversidade do fenômeno seja ordenada na intuição, através de certas relações. Há duas formas, portanto, apriori do conhecimento: a sensibilidade e o entendimento.
           A sensibilidade é a capacidade de receber representações, graças à maneira pela qual somos afetados pelos objetos. É mediante a sensibilidadeque os objetos nos são dados, só ela nos fornece intuições. A intuição é o que se torna consciente de maneira imediata. A sensibilidade intui os objetos pela percepção dos sentidos, organizando o material sensível em uma relação espaço-temporal.  Tempo e espaço são formas apriori  do sentir,   que organizam as intuições que temos do mundo. O tempo e o espaço não são categorias que pertencem à realidade, mas ao indivíduo.    Para Newton, tempo e espaço são entes reais absolutos. Para Leibniz, são apenas determinações ou também relações das coisas em si mesmas. Já para Kant, são determinações ou relações inerentes apenas à forma da intuição. Espaço e tempo não são propriedades das coisas e nem se originam da observação do mundo exterior. Pelo contrário, aquilo que entendemos como realidade pressupõe o espaço e o tempo.
             Por sua vez, para que haja o conhecimento é necessário também o entendimento,ou seja,a faculdade que sintetiza em conceitos as intuições da sensibilidade. A causalidade, a unidade, a forma e a relação que percebemos  nas coisas não são atributos delas, mas são atributos da nosso entendimento.  O entendimento são as formas de relacionar as coisas como causa e efeito, substância, atributo, unidade, pluralidade. São os predicados de toda experiência possível.. É o entendimento que produz esse mundo organizado que representamos o em nossa mente. Assim, percebemos um mundo organizado, estritamente conexo, segundo a ordem causal. Em outras palavras, só podemos ter a experiência do real pela conjugação da sensibilidade (que nos dá os objetos) e do entendimento (que pensa esses objetos). É isso que Kant entende por conhecimento.  Com o criticismo kantiano o problema do sujeito e objeto chega a um impasse, pois não podemos conhecer a realidade em si mesma. Não podemos conhecer o mundo a nossa volta, uma vez que o real é produzido pelo sujeito que conhece.  O mundo surge como representação, como fenômeno.  Saber o que é a realidade não é mais possível.
BIBLIOGRAFIA

DESCARTES, R. DescartesRMeditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
 KANT, I. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril cultural, 1983 (Os Pensadores).
MARÍAS, J. História da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
 MORENTE, Manuel G. Fundamentos da filosofia: lições preliminares. 8 edição. São Paulo: Mestre Jou, 1980.

Professor | 09/07/2014 às 18:38 | Categorias: Filosofia | URL: http://wp.me/p7uL0-VY


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