AS DIMENSÕES DO CAMPO DE BATALHA E A
GUERRA OMNIDIMENSIONAL
CARLOS EDUARDO FRANCO AZEVEDO – TENENTE-CORONEL DO EXÉRCITO BRASILEIRO
RUI MARTINS DA MOTA – MAJOR DO EXÉRCITO BRASILEIRO
1 INTRODUÇÃO
Desde outubro de 1989, em função do trabalho desenvolvido pelos pesquisadores
William Lind, Keith Nightengale, Joseph Sutton, Gary Wilson e John Schmitt, tem se
formado certo consenso no Pensamento Estratégico Militar tradicional em classificar as
guerras ocorridas no Período Moderno em quatro gerações, de acordo com as mudanças
qualitativas ocorridas nas condutas táticas. Esta classificação ordenou as guerras segundo a
primazia de um dos princípios doutrinários, estabelecidos por pensadores e estrategistas
reconhecidos, como Sun Tzu (1983) e Clausewitz (CLAUSEWITZ apud PARET, 2003), ou
foram dispostas por critérios de semelhança de suas características fundamentais ou
proximidade no período histórico. No entanto, este método de análise e classificação das
guerras com base em gerações é uma abordagem ex-post, focada nas características que se
sobressaíram de guerras já ocorridas, o que a torna pouco adequada para a análise dos
conflitos atuais e futuros.
Considerando que, na atualidade as “novas” ameaças e desafios impactam,
diuturnamente, a percepção de segurança da sociedade e que elas estão ocasionando
verdadeiras revoluções nos assuntos militares e tem gerado a necessidade de serem
realizadas profundas transformações dos sistemas de defesa dos países (BERKOWITZ,
2003), faz-se imperativo buscar uma abordagem ex-ante, focada não mais em fatos
arrematados, mas sim num espectro mais amplo de possibilidades. Tal abordagem deve
permitir a prospecção das ameaças e das oportunidades dos cenários futuros para
proporcionar melhor condução da transformação militar e dos sistemas de segurança e de
defesa nacionais, tornando-os mais aptos às faces da guerra do Século XXI.
Em função disto, o presente artigo apresentará uma proposta de abordagem
focada no campo de batalha, enquanto espaço de conflito, caracterizando as dimensões
que, ao longo do tempo, foram sendo incorporadas por meio do desenvolvimento das
inovações tecnológicas, mas também procurando evidenciar a importância da absorção das
inovações não tecnológicas, caracterizadas por soluções inovadoras no âmbito da doutrina
militar, da organização das forças militares e do preparo e emprego da Expressão Militar do
Poder Nacional. Além disto, aplicando esta abordagem, serão discutidas algumas
características das guerras e conflitos da atualidade e do futuro, fazendo um paralelo com o
surgimento das referidas inovações, que potencializam a ocorrência de transformações
militares (doutrina, competências dos recursos humanos e sistemas de armas e
equipamentos), em ruptura ao status quo vigente. Além disso, o trabalho questionará se as
ambiências espacial e tecnológica para classificação das guerras e apresentará, de forma
sucinta, o conceito de Guerra Omnidimensional.O artigo utiliza a abordagem qualitativa de natureza exploratória, no entanto segue
um modelo de ensaio teórico segundo Severino (2000), o que permite maior liberdade para
a argumentação, interpretação e julgamento dos autores para defender sua posição com
vistas a suscitar reflexões inovadoras sobre estas instigantes questões. Assim, para atingir
aos objetivos, o ensaio foi dividido em 5 seções: esta introdução, uma segunda que traz
reflexões sobre o fenômeno da guerra, uma terceira que discute as dimensões do campo de
batalha, uma quarta na qual é apresentado o conceito de Guerra Omnidimensional e a
última que tece as considerações finais do trabalho.
2 REFLEXÕES SOBRE O FENÔMENO DA GUERRA
A guerra é um fenômeno social que se caracteriza pelo choque violento entre
vontades coletivas conflitantes, dispostas a empregar todos os meios, recursos e
capacidades que lhe estejam disponíveis para submeter, debelar ou transformar a vontade
oponente e, assim, satisfazer a sua própria. Deste conceito, destacam-se dois elementos: o
caráter violento da guerra e sua origem com base em vontades coletivas divergentes
(CLAUSEWITZ apud PARET, 2003). O entendimento preciso a respeito destes dois elementos
é muito importante para a definição das estratégias a serem utilizadas na condução das
guerras ou na maneira de evitá-las e interpretá-las.
Basicamente, as estratégias relativas às guerras seguem uma das três seguintes
linhas estratégicas fundamentais – a linha das estratégias dissuasivas, a das persuasivas e a
das destrutivas. As dissuasivas são as que buscam impedir a formação de vontades coletivas
conflitantes ou a desestimular que tais vontades, já existentes, concorram para o emprego
do choque violento como alternativa para efetivação de seus objetivos. Isto se dá, fazendo
saber ou crer ao oponente que esta alternativa lhe custaria um preço muito elevado em
perdas de toda ordem. São exemplos desta linha estratégica as ações da diplomacia, a
utilização dos mecanismos de pressão econômica internacional, a demonstração de força
militar, a presença militar, a projeção do poder e a dissuasão nuclear (ARON, 1962;
BEAUFRE, 1998).
Já as estratégias persuasivas dizem respeito àquelas que buscam a mudança das
estratégias já implementadas ou em andamento por parte dos oponentes, particularmente,
aquelas estratégias que se valem do conflito armado deflagrado. Assim, esta linha
estratégica visa a debelar ou a transformar a vontade coletiva oponente, desgastando-lhe
tanto em seus meios, recursos e capacidades, quanto em sua possibilidade de atuação por
meio da ação violenta. São exemplos deste tipo de estratégia as já citadas (diplomacia,
pressão econômica, etc.), mas também as guerras irregulares de resistência, os
movimentos de insurgência e as ações terroristas, cujos perpetradores não possuem
recursos suficientes para optarem por uma estratégia destrutiva definitiva (SUN TZU, 1983).
Entretanto, destaca-se que esta opção não é exclusiva de coletividades sem meios
suficientes para empreender uma linha destrutiva. A opção persuasiva também poderá ser
adotada por coletividades que julguem ser suficiente conduzir um conflito violento
limitado, visando tão somente à transformação da vontade oponente por meio da
combinação de ações diretas e indiretas, buscando a surpresa e o desgaste do oponente
(LIDDELL HART apud PARET, 2003).
Por último, têm-se as estratégias destrutivas, que são aquelas que empregam o
choque violento, em sua plenitude máxima, visando a eliminar os meios, os recursos e as
capacidades oponentes a fim de submeter definitivamente a vontade coletiva conflitante. São exemplos desta linha as guerras regulares clássicas e os conflitos convencionais, mas
também as operações militares de contraterrorismo e de contrainsurgência, empreendidas
por tropas numérica e materialmente superioras contra coletividades restritas, uma vez
que, via de regra, a estratégia comum do lado superior é a destruição definitiva da
capacidade de violência do oponente (CLAUSEWITZ , 1993).
Feitas estas considerações, verifica-se que na atualidade os conflitos de baixa
intensidade, caracterizados por ações descentralizadas e com forte impacto na dimensão
psicológica do tecido social, não parecem ser o tipo de guerra do futuro e sim se
apresentam mais como uma guerra do presente, na mesma medida em que foram um tipo
de guerra do passado, sempre que um dos oponentes não possuía os recursos suficientes
para empreender a ação de violência em sua plenitude. Nos dias atuais, os perpetradores
deste tipo de guerra se valem dos recursos tecnológicos, dos novos meios disponíveis e das
características sociais da atualidade, tais como a internet, a velocidade e o alcance da mídia
de massa e a alta sensibilidade das sociedades nacionais em relação às baixas militares e,
principalmente, em relação à morte de civis (BRASIL, 2006).
No futuro, considerando que coletividades não nacionais, cada vez mais, emergem
como atores políticos importantes, é possível que os conflitos de baixa intensidade
continuem a se alastrar como alternativas estratégicas para os impossibilitados de destruir
definitivamente a vontade coletiva oponente, tendo em vista sua debilidade de meios
(ALEXANDER, 1999).
No entanto, considerar esta alternativa estratégica como a única provável,
caracterizando-a como “a guerra do futuro” é restringir de forma arriscada o Pensamento
Estratégico Militar, uma vez que, segundo Alsina Júnior (2009), parece ser razoável
considerar que grupos, inclusive não nacionais, possam vir a consolidar uma vontade
coletiva conflitante e conseguir reunir os recursos e as capacidades necessárias para buscar
submeter as vontades coletivas que lhe sejam oponentes, inclusive, as vontades nacionais,
empregando a ação de violência em sua plenitude máxima.
Os chamados conflitos assimétricos, ainda que sejam os mais comuns de acontecerem na
atualidade e no futuro previsível, constituem-se num tipo de guerra própria, mas não numa
geração de guerra independente, como defendem aqueles os quais têm os classificados
como Guerras de 4ª Geração. Esta classificação parece um tanto precipitada, quiçá
equivocada, mas esta é uma discussão para outro momento.
3 ANÁLISE ESTRATÉGICA PELAS DIMENSÕES DO CAMPO DE BATALHA
Ao longo do tempo, de um conflito para outro, novas dimensões de atuação militar
foram sendo incorporadas ao campo de batalha, induzindo mudanças e impondo
constantes modernizações na estruturação e nos meios de emprego dos exércitos. Sem
dúvida, as inovações foram as grandes responsáveis pela incorporação destas novas
dimensões no campo de batalha. Se, por um lado, as inovações tecnológicas, graças à
ampliação das capacidades dos elementos beligerantes, desempenharam um papel muito
relevante na incorporação das novas dimensões do campo de batalha, por outro, no entanto, foram as inovações não tecnológicas1
os fatores determinantes para que as
transformações dos exércitos fossem concretizadas.
Foi, portanto, a combinação das inovações tecnológicas com as não tecnológicas
que possibilitou o avanço das concepções estratégicas, a modernização material dos
exércitos e a transformação militar. Em decorrência disso, a incorporação de novos espaços
de atuação do poder militar permitiu o estabelecimento de objetivos mais ousados, cuja
conquista se refletiu em efeitos favoráveis aos detentores das melhores capacidades
tecnológicas e das doutrinas militares mais originais, desequilibrando sobremaneira os
desdobramentos das guerras seguintes.
Num primeiro momento, a limitação tecnológica dos armamentos em termos de
alcance e letalidade restringiu tão somente o espaço de combate à frente de batalha,
que se constituía, portanto, na única dimensão empregada nos combates daquele
momento. Os objetivos se limitavam aos pontos físicos do terreno à frente do dispositivo
da tropa inimiga ou aos elementos de manobra do primeiro escalão. Nestes conflitos, de
dimensão linear, em que os dois exércitos oponentes se desgastavam mutuamente em
confronto direto, o valor e a capacidade guerreira da Infantaria e da Cavalaria, bem como a
capacidade de concentrar tropas nos pontos decisivos se constituíam nos fatores
preponderantes para a vitória militar (CLAUSEWITZ , 1993).
Posteriormente, as inovações tecnológicas, tais como o desenvolvimento dos
canhões e dos tiros de Artilharia e o aumento do alcance das armas de fogo, em conjugação
com as inovações não tecnológicas, como a concepção de novo emprego doutrinário para
os carros de combate, possibilitaram a incorporação de uma segunda dimensão ao campo
de batalha (2ª DCB) - a profundidade. Assim, objetivos em profundidade em relação ao
dispositivo inimigo foram sendo estabelecidos, de modo a permitir a obtenção da surpresa
e a conquista de alvos estratégicos no seio do dispositivo inimigo. O desenvolvimento
tecnológico da Artilharia em alcance estratégico, proporcionados por lançadores de
foguetes e mísseis de longo alcance, muito bem caracteriza a exploração da profundidade
(2ª DCB). Esta nova capacidade resultou em transformações militares profundas, uma vez
que se tornou possível atingir o centro de gravidade do inimigo valendo-se de meios
indiretos ou de aproximação indireta, que potencializam a surpresa (LIDDEL HART apud
PARET, 2003).
Da mesma forma, a nova doutrina de emprego de blindados, que se constitui num
exemplo de inovação não tecnológica, permitiu a exploração da segunda dimensão do
campo de batalha, possibilitando a multiplicação do poder de combate. As tropas blindadas
e mecanizadas, já existentes e tradicionalmente utilizadas na primeira dimensão do campo
de batalha, tiveram seu emprego remodelado e passaram a ser empregadas de modo a
evitar os pontos mais fortes do dispositivo inimigo, localizados na frente de batalha (LIDDEL
HART apud PARET, 2003). A Blitzkrieg nazista, termo alemão para guerra-relâmpago, e a
guerra de movimento, utilizando as manobras de desbordamento e envolvimento,
tornaram-se os modelos táticos clássicos do melhor exemplo de exploração
da profundidade do campo de batalha (2ª DCB) (HOUSE, 2008). Em função disto, a “área”
1 As inovações não tecnológicas são aquelas soluções inovadoras, obtidas por meio
de um pensamento original, fora dos padrões convencionais da época, por meio das quais a
estrutura dos exércitos é reorganizada e a doutrina militar vigente é readaptada às novas
possibilidades tecnológicas, às novas demandas e aos novos desafios surgidos, gerando uma
vantagem estratégica (ou tática) fundamental para a obtenção da vitória militar.(Tetro de Operações) foi gradativamente sendo ampliada em profundidade, caracterizando
a bidimensionalidade do campo de batalha.
Ainda em relação à incorporação da 2ª DCB, o desenvolvimento da doutrina de
emprego de Forças de Operações Especiais, que se constitui num exemplo de inovação não
tecnológica, permitiu a exploração da profundidade do campo de batalha (DENÉCÉ, 2009).
A capacidade dos elementos de forças especiais em se infiltrar em território hostil e atingir
a retaguarda do dispositivo inimigo, de onde passariam a interditar alvos localizados no
centro do “sistema nervoso” oponente, por meio de ações diretas ou valendo-se de ações
subterrâneas perpetradas por elementos selecionados da própria população do país
inimigo, revela o domínio sobre a dimensão de profundidade.
Ininterruptamente, as inovações continuaram se conjugar e a impulsionar a
dinâmica das guerras e a organização dos exércitos e, assim, uma terceira dimensão foi
incorporada. O desenvolvimento dos meios da aviação militar e dos submarinos permitiu a
atuação militar nos vetores aeroespacial e subaquático, dando forma à terceira dimensão
do campo de batalha (3ª DCB).
Vale ressaltar que a exploração da 3ª DCB não ocorreu historicamente após o
surgimento dos conflitos da 2ª DCB. Os conflitos explorando a segunda e a terceira
dimensão do campo de batalha se desenvolveram de forma simultânea, ao mesmo tempo
em que eram desenvolvidas e implementadas as invenções tecnológicas que possibilitaram
sua exploração. Destaca-se que a exploração da 3ª DCB caracteriza-se por sua utilização
como vetor de ataque com capacidade de interditar alvos na frente e em profundidade do
campo de batalha. Portanto, são exemplos da incorporação da 3ª DCB a realização das
campanhas aeroestratégicas, a utilização de helicópteros e dos Veículos Aéreos Não
Tripulados (VANT’s), e ainda os assaltos de tropas aeroterrestres e aeromóveis, os ataques
dos submarinos torpedeiros e de mergulhadores de combate.
O desenvolvimento recente de inovações tecnológicas, como o domínio do
espectro eletromagnético e das redes lógicas, conjugadas com a implantação de inovações
não tecnológicas, particularmente de caráter doutrinário, tais como a exploração dos
vetores psicológicos e humanos, tornou possível a exploração de aspectos não físicos do
campo de batalha, caracterizando o início da incorporação de uma quarta dimensão ao
campo de batalha (4ª DCB) – a dimensão não tangível.
Portanto, os vetores do espectro eletromagnético, as estruturas das redes lógicas,
os sistemas de comando e controle e o processo decisório inimigo se tornaram alvos a
serem conquistados. De forma semelhante, o próprio pensamento do oponente, suas
opiniões e a disposição de seus soldados e de sua população para um conflito passaram a
se constituir em objetivos estratégicos de guerra. Alvos anteriormente inimagináveis e até
mesmo inatingíveis foram estabelecidos, a partir de então, tendo em vista sua
vulnerabilidade, com efeitos favoráveis surpreendentes. Com base na 4ª DCB, novos
conceitos de guerra estão em desenvolvimento: Guerra Eletrônica, Guerra Cibernética,
Guerra Psicológica, Guerra da Informação, Guerra Biológica e outros.
Em síntese, as inovações continuarão a promover as transformações da guerra e
dos exércitos, incorporando novos elementos de combate ao campo de batalha.
Certamente, algumas vezes, retrocessos ocorrerão e as algumas invenções não se
converterão em inovações militares, bloqueando o processo de transformação militar.
Diante disso, como devemos analisar as guerras do futuro? Será que somente as dimensões
físicas (espaço) e/ou as tecnologias poderão continuar a rotular a guerra sem perder sua finalidade em curto prazo? O fato é que o método de análise baseado nas gerações de
guerra se apresenta como lente de curto alcance para se analisar e classificar as novas
ambiências que continuamente são incorporadas nas guerras do futuro.
4 A GUERRA OMNIDIMENSIONAL
Que tipo de guerra se espera para o século XXI – linear ou em profundidade? Serão
conflitos de segunda, terceira ou quarta dimensão? Qual o tipo de conflito ou de crise se
pode esperar diante das novas formas de ameaças e da enorme velocidade dos avanços
tecnológicos?
De fato, parece muito complexo realizar a análise das guerras, levando-se em conta
somente a ambiência física ou tecnológica de forma estanque. De acordo com Amarante
(2009), a humanidade, em seu “voo”, observou uma evolução tecnológica assimétrica em
termos quantitativos. Segundo o autor, até meados do século XVIII, o mundo assistia a uma
mudança tecnológica a cada 228 anos. Porém, segundo ele, “nos últimos 258 anos,
surgiram 66 tecnologias de impacto, ou seja, uma nova tecnologia a cada quatro anos”.
Em realidade, com a explosão tecnológica vivenciada, especialmente, nos últimos
50 anos, os especialistas tentam, sem sucesso perene, conceituar e explicar os conflitos
pela tecnologia empregada: eletrônica, cibernética, biológica, etc. Com a exceção das armas
nucleares2
, nenhuma arma atual por si só, mesmo as mais revolucionárias, conseguiram a
magnitude e perenidade para denominar a guerra do futuro. Obviamente, tais conceitos
são importantes para entender o presente, mas não dão nenhuma indicação de como serão
travadas as guerras do futuro, embora tal convenção seja uma boa ferramenta para análise
e planejamento de tendências de curto e médio prazo.
O conceito de “guerra assimétrica” tentou retirar ou camuflar as ambiências físicas
e tecnológicas. Entretanto, qual guerra não é assimétrica, já que sempre existe
superioridade de uma das partes, favorecendo o resultado em vencedores e vencidos?
No momento em que se vivencia apenas o início da Era da Informação ou do
Conhecimento (CATELLS, 1996), as guerras recentemente travadas, como a Guerra do Golfo
(1990), a Guerra do Iraque (a partir de 2003) e do Afeganistão (a partir de 2001) e a Guerra
Global Contra o Terror (a partir de 2001), têm revelado que os conflitos estão ocorrendo
em todas as dimensões do campo de batalha, o que permite defini-los como Guerras
Omnidimensionais.
Se no nível tático, as operações atuais são de amplo espectro, conforme
nomenclatura americana, no nível estratégico as guerras são cada vez mais
omnidimensionais. Este fato demonstra a importância fundamental de que todas as
Expressões do Poder Nacional estejam habilitadas e comprometidas em atuarem nos novos
espaços criados pela incorporação de novas dimensões do campo de batalha, conforme
sugere a nova Estratégia de Defesa Nacional, que foi entregue ao Congresso Nacional para
aprovação em 2012. Ou seja, a Defesa Nacional deixou de ser função exclusiva dos poderes
2 De fato, a tecnologia nuclear foi uma inovação suficientemente capaz de classificar
por si só um tipo específico de guerra – a Guerra Nuclear. No entanto, suas características
de grande letalidade e de baixa capacidade de controle sobre os resultados levaram a um
paradoxo estratégico, denominado impasse nuclear, que, de certa forma, impediu sua
utilização de outra forma que não fosse tão somente como meio de dissuasão estratégica,
minimizando sua validade como um tipo de guerra independente. naval, terrestre e aeroespacial, passando a depender de todas as expressões do Poder
Nacional operando conjuntamente por meio de seus órgãos e agências.
No cenário atual, marcado por novas formas de ameaças, que surgem pelo
incremento tecnológico e informacional, ao invés de aumento de efetivos militares,
verifica-se uma redução de efetivos militares ao mínimo indispensável para garantir a
presença territorial. Isto significa o fim da Guerra? Ou as nações tecnologicamente mais
desenvolvidas perceberam uma nova forma de obterem vantagens e outros meios de
coerção sobre as demais nações?
Com certeza, há uma aceitação da redução do uso da violência armada para
resolução de conflitos e a interpretação de que há outro caminho para se atingir o mesmo
resultado. Este caminho é representado pela Guerra Omnidimensional. Uma guerra que
não será caracterizada por dimensões ou espaços (tangíveis ou não); nem por uma ou por
outra tecnologia. Será uma guerra caracterizada pela multidimensionalidade e pela
utilização de toda tecnologia disponível em todo espaço possível.
A guerra parece estar renascendo com outro formato. O ataque financeiro
realizado por George Soros no Sudeste Asiático, os ataques terroristas conduzidos por
Osama Bin Laden às embaixadas norte-americanas e ao World Trade Center, o ataque com
gás Sarin no metrô de Tókio, realizado pelos discípulos de Aum Shinri Kyo, os ataques
cibernéticos de 2007 e 2009 e a devastação causada por Morris Jr. na Internet, todos estes
são eventos cujos graus de destruição são comparáveis aos de uma guerra convencional.
Estes acontecimentos representam uma forma embrionária de um novo tipo de guerra, na
qual os Princípios de Guerra não mais indicarão “o emprego da força armada para compelir
um inimigo a submeter-se”, e sim, “a utilização de todos os meios, militares e não militares,
letais e não letais, para compelir o adversário a submeter-se” (LIANG e XIANGSUI, 1999).
Infere-se, portanto, que toda nação, ainda que de índole pacífica, como o Brasil, precisará
estar preparada para se defender em todas as dimensões do campo de batalha, ou seja,
defender-se contra a Guerra Omnidimensional.
A análise da Guerra Omnidimensional é diacrônica, ou seja, deve ser realizada
levando-se em consideração a evolução temporal do conflito: ataques financeiros;
cibernéticos; batalhas baseadas em rede, com alvos estratégicos; suspensão temporária ou
total da rede de internet ou de suas funcionalidades; ataques terroristas discretos ou de
grande impacto. Todas estas ações fazem parte de uma escalada do conflito, que pode
culminar num combate militar tradicional de segunda e terceira dimensão. Em outras
palavras, em dado momento, a guerra pode estar sendo travada em uma dimensão e
noutro, ser consolidada em uma dimensão distinta. O conflito poderá ser vencido sem um
único disparo, evidenciando competência de uma das partes para obter a vitória sem a
violência militar, o que não quer dizer que não tenha havido violência política, econômica,
tecnológica ou de outra ordem.
A guerra está se submetendo às mudanças tecnológicas e do sistema de mercado e
será desencadeada de formas atípicas. No entanto, a despeito das formas que a violência
possa assumir, a guerra continuará sendo um confronto violento, e as mudanças, em sua
aparência externa, não impedirão que ela continue a ser regida pelos Princípios de Guerra
que sempre nortearam as ações militares. Da mesma forma, o axioma de Clausewitz - “A
guerra é a continuação da política por outros meio...” (CLAUSEWITZ, 1993) – continuará a
valer e até se fortalecer. A grande diferença é que, num futuro previsível, as operações
militares não constituirão mais a totalidade da guerra e, ao contrário, formarão uma das
dimensões de um espectro multidimensional. Tal espectro poderá incorporar a dimensão da guerra não militar: guerra ecológica; comercial; financeira; centrada em redes interativas
e outras (LIANG e XIANGSUI, 1999).
Conjectura-se, também, que a guerra do futuro desenvolver-se-á,
simultaneamente, tanto no espaço macroscópico, como também no espaço mesoscópico e
no espaço microscópico, cada qual definido por suas propriedades físicas e tecnológicas
específicas, e que no seu todo configurarão um extraordinário campo de batalha, sem
precedentes nos anais da história da guerra. (LIANG e XIANGSUI, 1999).
Pode-se dizer, ainda, que, com a ambiência tecnológica dos tempos que estão por
vir, onde o “espaço nanométrico3
” já se manifesta no rastro das redes interativas, há algum
indício de que a guerra pode ocorrer, até, sem o envolvimento direto de seres humanos. As
armas de hoje podem ser consideradas anacrônicas, pelo fato de suas características
básicas de emprego ainda serem mobilidade e poder letal.
Até mesmo as chamadas “bombas inteligentes”, dotadas de sistemas de guiamento
de precisão e outras armas semelhantes ditas de “alta-tecnologia”, não acrescentaram
inovações concepcionais, ou seja, apenas os seus elementos de arquitetura estrutural e de
inteligência foram inovados ou aprimorados. Para o futuro, serão necessárias armas com
novas concepções, capazes de fornecer vantagem competitiva aos exércitos, pela
agregação de poder não letal ao tradicional poder da “pólvora”. Isso sim garantirá poder
dissuasório.
Desse modo, é precisamente por este motivo, que algumas nações com visão
prospectiva, ao invés de única e simplesmente priorizarem os cortes de efetivos, estão
enfatizando: a elevação da qualificação técnica do seu pessoal; o incremento do nível de
tecnologia avançada e semi-avançada incorporada ao seu armamento; e a atualização do
pensamento militar e doutrinário.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, o futuro da guerra terá como limitação ou estímulo tão somente a
criatividade das invenções, convertidas em inovações tecnológicas de uso militar, e a
originalidade do pensamento estratégico, convertido em inovação não tecnológica, cuja
combinação de uma e outra conduzirá as transformações militares.
Indiscutivelmente, esta nova agenda deverá levar em consideração o surgimento das novas
dimensões do campo de batalha, que foram, ao longo do tempo, sendo incorporadas não
somente em decorrência do desenvolvimento das inovações tecnológicas, mas também por
conta das inovações não tecnológicas.
A Guerra Omnidimensional está trazendo outra configuração para análise e
planejamento das guerras. Os especialistas em Defesa (civis e militares) não podem estar
limitados a elaborar cenários com base em uma ou outra dimensão do combate e devem
envidar esforços para desenvolver na sociedade a mentalidade de Defesa.
3 De nanotecnologia.REFERÊNCIAS
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ESTUDOS INSTITUCIONAIS. Encontro de Estudos - Terrorismo. Brasília: Gráfica da Agência
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_____________ et al. Novas perspectivas críticas em educação. Porto Alegre: Artes
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CLAUSEWITZ, Carl von. On War, trans. and ed. Michael Howard and Peter Paret (New York:
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DENÉCÉ, Éric. A História Secreta das Forças Especiais – de 1939 a nossos dias. São Paulo:
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LIANG, Q.; XIANGSUI, W. Unrestricted Warfare. Beijing: PLA Literature and Arts. Publishing
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LIND, William S. et al. “The Changing Face of War: Into the Fourth Generation”, Marine
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PARET, Peter. (org.). Construtores da Estratégia Moderna: de Maquiavel à Era Nuclear. Rio
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SUN TZU. A Arte da Guerra. Rio de Janeiro: Editora Record, 1983.SOBRE O ARTIGO E OS AUTORES
Citação:
AZEVEDO, C.E.F. e MOTA, R.M. As dimensões do campo de batalha e a guerra
omnidimensional. Coleção Meira Mattos, revista das ciências militares, nº 26, 2º
quadrimestre 2012. Rio de Janeiro: ECEME, 2012.
Resumo:
O presente artigo apresentará uma proposta de abordagem focada no campo de batalha,
enquanto espaço de conflito, caracterizando as dimensões que, ao longo do tempo, foram
sendo incorporadas por meio do desenvolvimento das inovações tecnológicas, mas
também procurando evidenciar a importância da absorção das inovações não-tecnológicas,
caracterizadas por soluções inovadoras no âmbito da doutrina militar, da organização das
forças militares e do preparo e emprego da Expressão Militar do Poder Nacional. Além
disto, aplicando esta abordagem, serão discutidas algumas características das guerras e
conflitos da atualidade e do futuro, fazendo um paralelo com o surgimento das referidas
inovações, que potencializam a ocorrência de transformações militares (doutrina,
competências dos recursos humanos e sistemas de armas e equipamentos), em ruptura
ao status quo vigente. Além disso, o trabalho questionará se as ambiências espacial e
tecnológica para classificação das guerras e apresentará, de forma sucinta, o conceito de
Guerra Omnidimensional. O artigo utiliza a abordagem qualitativa de natureza exploratória,
no entanto segue um modelo de ensaio teórico segundo Severino (2000), o que permite
maior liberdade para a argumentação, interpretação e julgamento dos autores para
defender sua posição com vistas a suscitar reflexões inovadoras sobre estas instigantes
questões. Assim, para atingir aos objetivos, o ensaio foi dividido em 5 seções: esta
introdução, uma segunda que traz reflexões sobre o fenômeno da guerra, uma terceira que
discute as dimensões do campo de batalha, uma quarta na qual é apresentado o conceito
de Guerra Omnidimensional e a última que tece as considerações finais do trabalho.
Palavras-chaves: Dimensões; Campo de Batalha; Guerra Omnidimensional.
Autores:
CARLOS EDUARDO FRANCO AZEVEDO – Tenente-Coronel do Exército Brasileiro
Doutorando em Administração pela FGV. Possui graduação em Engenharia pela Academia
Militar das Agulhas Negras (1991) e mestrado em Pós-Graduação Stricto Sensu em
Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (1999) e mestrado em
Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME). Atualmente
é instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Possui especialização em
Ciências Políticas e Estratégia, com ênfase em energia e transportes. É pós-graduado em
Docência do Ensino Superior pela Universidade Castelo Branco.
http://lattes.cnpq.br/0074481919030749
email: francoazevedo@globo.com
RUI MARTINS DA MOTA – Major do Exército Brasileiro
Possui o Curso de Formação e Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais na Arma de Infantaria,
respectivamente, pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) (1995) e pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficias (EsAO) (2003). Atualmente se encontra realizando o Curso de
Comando e Estado-Maior da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).
Mestre em Administração pela Universidade de Brasília (UnB) (2009) com especialização
em Relações Internacionais pela UnB (2005). Especialista em Bases Geo-Históricas para
Formulação de Estratégia pela ECEME (2009). Doutorando em Ciências Militares pela
ECEME. Possui interesse em Geopolítica, Estratégia e Tática Militar, enquanto ciências que
estudam a Segurança e a Defesa Nacional e os Conflitos Armados, e havendo interesse
específico nas áreas de Inovação e Transformação Militar.
http://lattes.cnpq.br/9191058528725923
email: martinsmotta@gmail.com
Endereço para correspondência:
Praça General Tibúrcio, 125. Urca, Rio de Janeiro, RJ. CEP: 22.290-270
Recebido em outubro de 2012.
Aprovado para publicação em novembro de 2012.
http://www.eceme.ensino.eb.br/meiramattos/index.php/RMM/article/viewFile/188/203
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