Os vinte centavos do futebol brasileiro
01/10/2013 12:31 | Autor: Jorge MurtinhoCompartilhar:João Saldanha tem sido pouco citado aqui no blog, o que é imperdoável. Todo blog de futebol no Brasil deveria citar João Saldanha pelo menos uma vez por mês, porque é impressionante como as coisas que ele dizia lá na década de sessenta continuam atuais. Sendo assim, vamos ao mestre.Eu era um moleque que adorava futebol e me divertia com a Grande Resenha Facit, onde os botafoguenses João Saldanha, Luiz Mendes e Armando Nogueira, o vascaíno Vitorino Vieira, o tricolor Nelson Rodrigues e o rubro-negro José Maria Scassa formavam o time-base. Minha lembrança é muito clara: sempre que nossos dirigentes esportivos perpetravam suas habituais sandices, Saldanha desviava os olhos de seu interlocutor na mesa, mirava a câmera e mandava um recado direto: “Cuidado, senhores dirigentes do nosso futebol. Os senhores estão matando a galinha dos ovos de ouro.” A frase vinha carregada de ironia, como se ele avisasse: abram o olho, porque os seus privilégios podem acabar.O futebol brasileiro só começou a virar uma verdadeira galinha dos ovos de ouro recentemente, mas Saldanha já alertava quanto à possibilidade de o público se afastar dos estádios, reclamava do calendário que pouco se lixava para os riscos físicos aos jogadores e não se cansava de denunciar um monte de coisas que, cinquenta anos depois, continuam do mesmo jeito. Ou pior.Também lembro do Saldanha prevendo o fim da Copa do Mundo entre seleções e sua futura substituição por uma Copa disputada pelos clubes. Alguém pode discordar: qual é, Murtinho, pirou? A Copa do Mundo virou um negócio estrondoso e está cada vez mais forte. Sob o ponto de vista financeiro, é inegável; sob o ponto de vista do esporte, nem tanto. E, obviamente, o exercício de João Saldanha precisa ser visto em perspectiva. É claro que, há cinquenta anos, ninguém poderia imaginar que a Copa virasse a obesa galinha dos ovos de ouro que é hoje. Mas, se em termos econômicos ela ganhou proporções incalculáveis (uso aqui, mais uma vez, o recurso de enviar os leitores para a reportagem de Daniela Pinheiropublicada na edição 44 da piauí, sob o título A Copa do Cabo ao Rio), em termos esportivos ela praticamente perdeu sua razão de existir.A Copa foi criada para confrontar os diversos estilos de futebol praticados. Brasileiros sempre foram habilidosos e surpreendentes. Alemães permanecem organizados e pragmáticos. Argentinos tocam e se vão. Ingleses inventaram a brincadeira, mas depois perderam o jeito e passaram a disputar um estranho esporte que se limitava a levantar bolas na área. Um dia, alguém teve a ideia de botar uns contra os outros, para ver qual desses estilos melhor interpretava o jogo.Com dez dos titulares da seleção brasileira atuando no exterior, é possível afirmar que a nossa seleção representa o estilo brasileiro de jogar? Desde os 12 ou 13 anos vivendo na Espanha, Messi pode ser considerado um representante do futebol que se joga na Argentina? Por outro lado, com a corajosa e bem-sucedida exceção do Barcelona, os grandes clubes europeus se transformaram numa imensababel futebolística. No time do Bayern de Munique que ganhou a última Champions League havia um brasileiro, um espanhol, um holandês, um francês, um austríaco e um croata. No jogo do último sábado, contra o Tottenham, o Chelsea entrou em campo com apenas três nativos – algo que virou regra entre os clubes britânicos e conseguiu devolver ao campeonato inglês a condição de competição de futebol, mas não ajuda em nada na hora de montar uma seleção nacional.Ainda na linha do pensamento de João Saldanha, creio que só não podemos considerar a Champions League mais importante que a Eurocopa por causa da periodicidade: o fato de ser disputada de quatro em quatro anos garante a expectativa e o charme da competição, mas desconfio que a maioria dos torcedores europeus já se importa mais com o torneio anual entre seus clubes. Não estranharia se viesse a acontecer o mesmo com a Copa do Mundo, confirmando as previsões de Saldanha.E se essa história do nosso calendário para 2014 tivesse acontecido na década de sessenta, certamente ele olharia de forma teatral para a câmera e repetiria sua sentença sobre a morte da galinha rica. Uma hora a coisa ia estourar. Cansados de tabelas malfeitas, de competições capengas – o que é a Copa Sul-Americana? –, de clubes geridos sem um pingo de responsabilidade, de campos de jogo que lembram minha adolescência disputando o saudoso Campeonato de Pelada do Aterro do Flamengo, a paciência de 75 dos nossos jogadores se esgotou com a divulgação do absurdo calendário, e eles botaram o bloco na rua. O Bom Senso F.C. (nome muito bom) pode, enfim, trazer um pouco de vergonha à caricatacara do futebol brasileiro. Por exemplo: a envelhecida e velhaca Federação Carioca de Futebol já anunciou uma redução nas datas do campeonato estadual.E os 75 fundadores do Bom Senso estão com os próximos passos devidamente programados: após o questionamento do calendário, pretendem atacar a péssima qualidade dos gramados e pôr em debate o que a UEFA conceituou como fair play financeiro – o compromisso que os dirigentes são obrigados a ter com a saúde financeira de seus clubes. Ou seja, a discussão sobre o calendário equivale aos vinte centavos das manifestações de junho. É só o começo. E seria bem legal se, no próximo domingo, todos os times do Campeonato Brasileiro entrassem em campo carregando uma faixa com o texto: Torcedores, desculpem o transtorno. Estamos mudando o futebol no país.Lá do alto, João Saldanha acenderia um cigarro, cravaria seus olhos na câmera e tripudiaria em cima dos dirigentes: “Eu avisei.”
Blog que começou com denuncia sobre o calendário MAYA, que seguiu em frente com particularidades ATUAIS de nossos DRAMAS do cotidiano e sobre o PORTAL DO QUADRADO que hoje tratamos da 4D para 5D...Ficando a critério de cada QUAL o que significa na realidade esses símbolos (ARCHÉS) que com o tempo são acrescentados ou diminuídos conforme a vontade de QUEM MANDA ou de quem é MANDADO......
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terça-feira, 1 de outubro de 2013
Os vinte centavos do futebol brasileiro ( revista Piauí)
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