abordagem do Jesus histórico, os dilemas que a Palestina
judaica enfrentou na sua época, e as três outras
negações que lhe moveram ao longo desse tempo
Entrada triunfal de Jesus em Jerusalém na Páscoa |
"Em verdade te digo: nesta mesma noite, antes que o galo cante, já me terás negado três vezes." - (Mateus, 26)
A Galiléia é a região das cem colinas que, partindo do promontório de Carmelo, à beira do Mediterrâneo, cobrem boa parte do norte da Palestina, terminando bem ao sopé dos montes do Líbano. Parece-se quase toda ela a um encrespado mar verde. As ondulações do seu solo contribuem para que as águas das chuvas escoem todas para o Lago de Genesaré, que os habitantes locais, num assomo de exagero tratam como o "Mar da Galiléia". Foi nas suas beiras, há quase dois mil anos, aproveitando-se de um auditório natural de excelente acústica, que Jesus Cristo pregou "O Sermão da Montanha" à multidão.
A vocação carismática dele, supõe-se, manifestou-se no seu batismo nas águas do Jordão pelas mãos do profeta João Batista. Tomado de êxtase, ele teria se retirado para o deserto a fim de testar-se. Lá passou 40 dias e 40 noites resistindo às dúvidas pessoais e ao Demônio (que inclusive lhe ofereceu o império do mundo, o que prontamente ele declinou). Convenceu-se então de que nascera para uma missão extraordinária. A saída quase que imediata dele das areias do deserto para a pregação nas cercanias das águas do Genesaré - o verdadeiro berço do cristianismo -, iria mudar a face do mundo ocidental.
A Galiléia é a região das cem colinas que, partindo do promontório de Carmelo, à beira do Mediterrâneo, cobrem boa parte do norte da Palestina, terminando bem ao sopé dos montes do Líbano. Parece-se quase toda ela a um encrespado mar verde. As ondulações do seu solo contribuem para que as águas das chuvas escoem todas para o Lago de Genesaré, que os habitantes locais, num assomo de exagero tratam como o "Mar da Galiléia". Foi nas suas beiras, há quase dois mil anos, aproveitando-se de um auditório natural de excelente acústica, que Jesus Cristo pregou "O Sermão da Montanha" à multidão.
A vocação carismática dele, supõe-se, manifestou-se no seu batismo nas águas do Jordão pelas mãos do profeta João Batista. Tomado de êxtase, ele teria se retirado para o deserto a fim de testar-se. Lá passou 40 dias e 40 noites resistindo às dúvidas pessoais e ao Demônio (que inclusive lhe ofereceu o império do mundo, o que prontamente ele declinou). Convenceu-se então de que nascera para uma missão extraordinária. A saída quase que imediata dele das areias do deserto para a pregação nas cercanias das águas do Genesaré - o verdadeiro berço do cristianismo -, iria mudar a face do mundo ocidental.
O arcanjo Gabriel, mensageiro de Deus |
Israel naquele tempo era terra ocupada. Desde 63 a C. as legiões romanas de Pompeu, e depois as de Augusto, espalharam seus quartéis por todas as partes da antiga Palestina. Frente a isso os judeus se dividiam. Para alguns, bem pouco podia ser feito. Roma era o Imperium Mundi, o poder universal perante o qual um povo pobre e perseguido com os judeus só devia encolher-se sob seu escudo. Para outros, para os fariseus, conformar-se era traição. Pior, era heresia, pois os invasores idólatras profanavam com sua acintosa presença os lugares sagrados. Concentravam seu ódio nos herodianos - o rei Herodes o Grande, e seus filhos -, uma dinastia judaica disposta a servir como colaboracionista dos romanos.
Cristo procurou sair desse impasse que dividia a sua nação de uma maneira extremamente original. Que convivessem com a ocupação romana ("daí a César o que é de César"), porque afinal das contas o que importava não eram tanto as coisas aqui da terra, mas sim a chegada eminente do Reino dos Céus. A tão esperada profecia de Isaias, de que o Reino da Paz estaria pronto a se instalar, finalmente ocorreria.
Minimizando as querelas locais, anunciou aos judeus e aos gentios a proximidade de um novo mundo aberto aos que se dispusessem a ser puros de espirito, aos que expurgassem de si a maldade, a cobiça, a luxúria e a violência. Que se desarmassem. Porque não perdoar até mesmo os agressores e os que moviam perseguição? Cristo, no seu extremismo de homem manso, deu-se ao exagero de dizer aos seus seguidores que oferecessem a outra face no caso de serem esbofeteados. Aos que se desesperavam pelas inseguranças da vida, assegurou que Deus tudo provê. Que tivessem filhos, que se multiplicassem, pois a sabedoria divina sabia muito bem em que hora iria oferecer-lhes o pão e o peixe.
A mãe expõe o deus-menino (gravura bizantina) |
O seu Evangelho pautou-se em dirigir-se aos marginalizados (aos doentes, as mulheres suspeitas, e aos humildes em geral), dizendo-os os "herdeiros da terra"; e também aos não-judeus, aos gentios, pois afinal todos eram criaturas de Deus. Além de Pedro, que embaraçado rejeitou ter alguma ligação com Cristo na noite da sua prisão, em três outros momentos, ao longo da história, também o negaram.
Primeiro Jesus foi negado pela sua própria gente: os judeus estavam a espera de um messias vingador, alguém que os livrasse dos romanos com um gládio em fúria e não um caridoso pacifista que lhes prometia a redenção num mundo etéreo a ser alcançado sabe-se lá onde.
Aceito o cristianismo como religião oficial do império romano, alguns séculos depois da sua morte, coube aos teólogos medievais reforçarem uma outra negativa a ele, a de Jesus Cristo não ter tido qualquer vestígio humano, apresentando-o como um Filho-de-Deus, concebido pelo Espírito Santo no ventre de uma mulher virgem, atingida por uma graça milagrosa.
E, por fim, uma das últimas e estranhíssimas restrições que ele sofreu foi da parte de alguns ideólogos anti-semitas, como a que, por exemplo, Schopenhauer lhe fez. O filósofo viu-o apenas como um arauto das doutrinas budistas perdido na Palestina, servindo apenas como um intermediário, entre tantos outros, da sabedoria oriental com a cultura ocidental. Aos anti-semitas, lhes era inaceitável a idéia de que um carpinteiro hebreu fosse o responsável pela conversão da Europa inteira. Portanto essas três outras negativas a Jesus Cristo rejeitaram ter sido ele messias, humano e judeu. Tudo o que de fato ele foi.
São Paulo no Areópago
Paulo, como consta no Ato dos Apóstolos (At,17), andou proselitando por lá na única sinagoga existente na cidade. Parece ter comovido poucos. Depois, correndo a noticia da sua chegada, alguns filósofos, supõe-se que estóicos e epicuristas, teriam manifestado o desejo, simples curiosidade, de conhecer o evangelista mais de perto, pois, "os atenienses, com efeito, e também os estrangeiros aí residentes, não se entretinham com outra coisa senão em dizer, ou ouvir, as últimas novidades". Quais seriam suas idéias, e o que vinha aquele pregador da Judéia anunciar que eles de antemão já não soubessem? Nada ouviram falar dele, mas a cidade há séculos estivera com suas portas abertas para todo e qualquer tipo de pensamento. Atitude aliás, acerbamente reprovada por Sócrates e seu discípulo Platão. Mas Atenas era assim, um bazar da filosofia e da mais diversas excentricidades. O areópago ocupava um lugar especial na geografia da cidade e no coração dos atenienses. Creditavam-lhe uma fundação divina. Ninguém menos do que a deusa Atena, a deusa protetora da cidade, escolhera os seus primeiros juízes, "atados por um grande juramento" compondo "um augusto tribunal", tornado por ela perpétuo. A razão lendária da formação daquela primeira corte de justiça foi a necessidade de julgar Orestes pelo terrível crime do matricidio. Ésquilo, que venceu o concurso trágico de 458 a.C. com sua trilogia sobre o sangrento drama que quase dizimou a família dos Átridas (A Orestéia), deixou-nos descritos os preâmbulos que antecederam o lançamento mítico dos alicerces daquela instituição magnifica. Fora lá, pois, que, por primeiro, o filho e vingador de Agamemnon defendeu-se, com sucesso, perante um júri de homens e deuses.
Também foi no areópago que o grande orador Demóstenes apresentou sua defesa, provavelmente em 324 a.C., da acusação de ter recebido um suborno de 20 talentos das mãos de um malversador para deixá-lo escapar de Atenas, onde se exilara. Sua poderosa verve, entretanto, não impediu que o multassem e, em seguida, o levassem preso dali mesmo. Agora chegara a vez de Paulo adentrar naquele venerável recinto. Não viera no arrastado como um réu. O areópago, aquelas alturas, serviu-lhe como tribuna e não como tribunal, e aqueles que o assistiram, entre eles um número razoável de filósofos, se faziam presentes por interesse intelectual, por novidadeiros que eram, e não para fazer bom ou mau juízo de ninguém. "Sendo de origem divina, não devemos imaginar nunca que a divindade se assemelha ao ouro, à prata, esculpida pela arte e pelo gênio do homem." - S.Paulo - Atos dos Apóstolos A exposição paulina foi curta. Disse à platéia dos aeropagitas que considerava os atenienses o povo mais religiosos do mundo porque, quando visitava a cidade, em meio a incontáveis estátuas de deuses, encontrara uma inscrição singular que lhe chamara a atenção: "ao Deus Desconhecido", dizia ela. Naquele cidade até um deus que ninguém sabia quem era, ou quem fosse, era digno de veneração! A existência desse deus abstrato entre tantos outros cultuados, mostrara a Paulo ter o nascente cristianismo um ponto em comum com os atenienses, pois o Deus que ele pregava "não habita em templo feito por mão humana" e, igualmente, "não é servido por mãos humanas". Era, pois, também um "Deus desconhecido", que paira sobre tudo e esta acima de tudo. Um colosso desses não precisa de templos. Por isto mesmo, observou Paulo, o verdadeiro templo dele é formado por seus fiéis seguidores. Fora Ele quem fizera o homem original de onde todo o resto provém, fixando os tempos e os limites da sua habitação. Disto procede sermos uma raça divina, trazendo em nosso interior o sopro divino. Um Senhor assim, tão magnifico, não pode ser seduzido por ouro, prata, ou ser reproduzido em pedra, ou qualquer outra matéria esculpida pelo engenho humano. Aliás, foram tais reproduções dos deuses, aquela compulsão idolátrica que, espalhando-se por toda a parte, causaram repugnância a Deus. Por isso ele pede a todos , em todos os lugares onde pregava que se arrependam, pois Ele já fixara o dia em que julgaria o mundo com justiça. E para anunciar a chegada desse Juízo Final, Deus designara um Homem, a quem, para dar-lhe crédito diante de todos, fizera ressuscitar dentre os mortos. Ao concluir a peroração com a "Anastasis de Jesus", a concepção de um salvador que morrera e voltara a viver para dar veracidade a mensagem divina, os filósofos presentes fizeram-lhe mofa, concluindo que o que ouviram "em mau grego" era coisa de um spermologos, de um tonto. O paganismo helênico quase sempre tivera um convívio pacífico com a filosofia. O politeísmo que lhe era inerente, e as práticas litúrgicas limitadas aos muros das cidades-estado, de certa forma, impediram a existência de uma casta sacerdotal poderosa que tentasse rivalizar ou mesmo banir as escolas de filosofia, como posteriormente iria ocorrer com o surgimento do clero cristão (o imperador bizantino Justiniano fechou-as em 524, a pedido dos padres). Tanto é que as crenças não os ameaçavam que a maioria dos filósofos via como sua adversária deles a poesia e não a religião, como no conhecido caso de Platão (A República). Pode-se assim dizer que foi a emergência do cristianismo (principalmente depois da sua ascensão como religião oficial do império, a partir do século IV), quem encerrou-se a longa coexistência pacífica entre a fé e a razão. Logo, a defesa de Paulo do monoteísmo pareceu-lhes razoável. Era mais uma entre tantas outras. Igualmente, não lhes era em absoluto desconhecida a concepção de um origem comum a toda a humanidade, afinal isso já fora defendido pelos estóicos e por muitos outros pensadores cosmopolitas. Para Aristóteles, porém, morto quatro séculos antes, certamente, que essa não seria uma doutrina a ser vista com simpatia. O estagirita, como se sabe, reprovou seu discípulo Alexandre, o Grande, por ter, à época da conquista do Império Aquemênida, organizado uma série de casamentos coletivos entre a sua oficialidade, quase todas de origem grega, com mulheres persas, um povo que o pensador considerado bárbaro, vocacionado à submissão. Achava que o sangue grego seria maculado! A separação de uma humanidade em helenos e bárbaros, que pautou boa parte das obras literárias, filosóficas e históricas (ver Heródoto), não conduzia a uma aceitação fácil pelos gregos de todos terem um demiurgo ou um ancestral em comum. Mas não lhes repugnava de todo. Quanto a seremos todos nós divinos ou parte do divino, bastava ver a estatuária religiosa grega: todas as figuras veneradas, fosse Apolo, Afrodite, Atena ou Zeus, eram esculpidas em forma humana.
O que, como se sabe, mais lhes provocou a repulsa foi a idéia da anastasis, a possibilidade da ressurreição. Platão defendera sempre, com veemência e brilho, a concepção da transmigração da alma: o ir e vir da psique, que, desprendida de um corpo morto, alcançava o etéreo e, de lá, purificada e desmemoriada, encarnava-se num outro corpo recém-nascido. Mas isso de um corpo morrer e renascer, era inaceitável. Mesmo que, como assegurou Paulo, o dileto fosse o Salvador, o filho do Todo-poderoso. Paulo abateu-se com o fracasso. Aparentemente tivera esmero e cuidado com o discurso. Era, afinal, uma estupenda síntese da concepção cristã. Não quis parecer frente aquela elite do mundo pagão como um fanático, um desses alucinados de Deus. Escolheu bem as palavras. Conteve-se. Malogrou. Seguindo logo depois para Corinto, supõe-se que a pé, como sempre o fazia, Paulo deve ter refletido sobre os erros cometidos. Falara à razão, ao cérebro da platéia. Não era esse o caminho a seguir. Na primeira parte da Epístola aos Coríntios, escrita uns três ou quatro anos depois, ele responde aos que dele fizeram pouco.
Destruirei a sabedoria dos sábios/ e rejeitarei a inteligência dos inteligentes/ Onde está o sábio? Onde está o homem culto? Logo, o horizonte apontava para a necessidade de uma outra linguagem, para uma outra sabedoria: a Linguagem da Cruz, resultante da fé e não da razão. E foi assim, depois de um rotundo fracasso no areópago de Atenas, que o apostolo Paulo abriu caminho para a hegemonia futura do Sacerdotes sobre os Filósofos, da Emoção e da Fé sobre a Razão, a vitória da Jerusalém teocrática sobre a Roma estatocrática, da Cidade de Deus sobre a Cidade do Homem, do Cristianismo sobre o Paganismo, que iria se concretizar a partir do século IV, na época dos imperadores Constantino e Teodósio. A linguagem da cruz » Aquela dos evangelistas, a fala dos simples dirigida aos simples, aos humildes, que não pertencem à famílias poderosas e de prestígio. Procura a conversão despertando-lhes a emoção, a sensibilidade pelo maravilhoso. Ela procura atingir diretamente o coração daqueles que pretende converter, não seu cérebro. Dirige-se aos puros, aos que ainda não foram maculados pelas inquietações e desconfianças da razão. É a linguagem da Paixão, não a da Razão. Ela evoca uma sabedoria que não é a deste mundo, e sim a de um outro mundo, misterioso, oculto. A linguagem da sabedoria » Aquela dos filósofos, dos sábios, dos homens de letras, dos inteligentes. Caracteriza-se pela necessidade de uma demorada iniciação para chegar-se a sua compreensão. Logo, é uma linguagem para poucos, para círculos seletos de discípulos escolhidos por critérios exigentes. Ela procura a precisão e a isenção objetiva das coisas. Afasta-se ao máximo da emoção e do sentimento e exalta a eficácia da Razão. A sua sabedoria é voltada basicamente para as coisas deste mundo, considerando todo o resto, mitologia, lenda ou superstição. da Igreja nos seus primeiros tempos
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